A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença
inflamatória crônica do sistema nervoso central (SNC). Costuma trazer
importantes impactos nos aspectos físicos, psicossociais e econômicos – não só
do paciente, como também de sua família e da sociedade – e é uma das condições
mais pesquisadas na Neurologia em todo o mundo.
Trata-se uma doença neurológica autoimune – ou seja, as células de defesa do
organismo atacam o próprio sistema nervoso central, provocando lesões cerebrais
e medulares. É a 2ª causa de doença
neurológica que causa incapacidade em jovens. Embora a causa da doença ainda
seja desconhecida, a EM tem sido foco de muitos estudos no mundo todo, o que
têm possibilitado uma constante e significativa evolução na qualidade de vida
dos pacientes. Os pacientes são geralmente jovens, em especial mulheres de 20 a
40 anos.
A Esclerose Múltipla não tem cura e pode se manifestar por diversos sintomas,
como por exemplo: fadiga intensa, depressão, fraqueza muscular, alteração do
equilíbrio da coordenação motora, dores articulares e disfunção intestinal e da
bexiga.
A ABEM (Associação Brasileira de Esclerose múltipla) estima que atualmente 35 mil brasileiros tenham Esclerose Múltipla.( prevalência estimada é de 10 a 20 casos por 100.000 habitantes).
Como ela é?
Uma das marcas da doença é o seu curso imprevisto:
alguns pacientes são assintomáticos ou tem sintomas leves e transitórios,
levando uma vida normal (e por isso também há muita dificuldade de diagnóstico);
mas outros têm um quadro grave e progressivo desde o início. É preciso
suspeitar da doença quando na anamnese (a parte da “conversa médica” no
consultório) e no exame físico o médico neurologista consegue perceber evolução
de diversos momentos e situações diferentes que apontam para áreas diferentes
do cérebro e medula.
Algumas
considerações merecem destaque:
- - NÃO é uma
doença mental
- - NÃO é
contagiosa
- - NÃO
existe um teste diagnóstico específico
- - NÃO
existe prevenção
- - NÃO tem
cura – tratamento serve para diminuir efeitos e desacelerar a progressão
Há
diferentes tipos evolutivos de EM, e 85% dos pacientes possuem a forma
surto-remissão (ou “remitente-recorrente” – EMRR ); uma minoria possui a forma
primariamente progressiva (EMPP). Pessoas entre os 18 a 55 anos são as mais
acometidas. Os custos com a EM nos EUA supera 10 bilhões de dólares ao ano!
Como é feito o diagnóstico?
Dentre os sintomas típicos estão:
parestesias e perdas de força/coordenação em qualquer topografia; alterações da
visão e na fala; dificuldades na marcha e no equilíbrio; bexiga neurogênica;
fadiga e alterações cognitivas sutis. É importante ressaltar que estes achados
não surgem simultaneamente: geralmente, uns vão se alternando aos outros em
surtos clínicos que acontecem de tempos em tempos. Não costumam estar presentes na EM: cefaleia
persistente, febre, convulsões e alteração no nível de consciência.
Esses sintomas aparecem também em várias outras
doenças que precisam ser descartadas e consideradas. Habitualmente, o médico
neurologista solicita exames como testes sorológicos (de sangue), Ressonância
Magnética (RM) e Líquor (o parecido com a raquianestesia). São exames complexos
e caros e ainda assim, podem não ser definitivos. Por isso, é comum que o
paciente tenha passado anos numa via sacra por entre diferentes médicos antes
de se chegar ao resultado definitivo, uma vez que a EM não possui marcadores
biológicos estabelecidos e a RM nem sempre é plenamente reveladora. De toda
forma, a Ressonância Magnética é essencial e estão estabelecidos critérios de
Neurorradiologia (“Critérios de MacDonald” modificados, de 2010).
Assim, no diagnóstico de EM deve existir:
- - Evidência de múltiplas lesões no Sistema Nervoso
Central (SNC) +
- - Evidência (clínica ou de exame) de pelo menos dois
episódios de distúrbio neurológico num indivíduo entre 10 e 59 anos de idade.
Em situações de dúvidas, repetem-se os exames após um período!
Por que ela acontece?
Na Esclerose Múltipla, a perda de mielina (substância
cuja função é fazer com que o impulso nervoso “percorra” os neurônios) leva a
interferência na transmissão dos impulsos elétricos e isto produz os diversos
sintomas da doença – processo denominado desmielinização. A
mielina em todo sistema nervoso central e qualquer região do cérebro pode ser
acometida. O tipo de sintoma está diretamente relacionado à região afetada –
assim é o cérebro, cada área comandando um aspecto. As áreas predominantemente
acometidas são córtex, tronco encefálico, cerebelo e medula. (veja figura abaixo)
REPRESENTAÇÃO
ESQUEMÁTICA DE UM NEURÔNIO – A CÉLULA DO SNC
E SUA BAINHA DE MIELINA – Figura retirada da ABEM
Com a desmielinização, ocorre um processo
inflamatório que culmina, com o decorrer do tempo, no acúmulo de
incapacitações neurológicas. Os pontos de inflamação evoluem para resolução com
formação de cicatriz (esclerose = cicatriz) e essas cicatrizes não têm a mesma
funcionalidade das áreas sadias, ocorrendo perda de função. Nos primeiros anos da doença
ocorre a inflamação; nos anos finais, predomina o caráter degenerativo, inclusive
com atrofia cerebral. Não está claro porque esta condição autoimune surge, mas
fatores genéticos e ambientais podem influenciar (por exemplo, a incidência de
EM é mais comum em países de alta latitude).
A evolução da doença classicamente, dá-se a partir
de surtos de atividade inflamatória. O indivíduo pode recuperar-se total ou
parcialmente. Há formas de doença variadas. Classicamente há recuperação
parcial ou completa após cada episódio de atividade infalatória da doença ou
“surto-remissão” – o episódio de ativação do processo inflamatório – chamada
Remitente Recorrente (EMRR); há a forma mais lenta (e mais rara) sem surtos
caracterizados, chamada de Primariamente Progressiva (EMPP) Por fim, um
indivíduo que esteja inicialmente em forma EMRR pode evoluir para forma
progressiva, caracterizando a forma Secundariamente Progressiva.
E tudo isso pode acontecer quanto não há sintomas
evidentes. Nós médicos chamamos de paradoxo clínico-radiológico da EM, quando
lesões são visíveis em exames de imagem, como a Ressonância Magnética, e o
paciente não apresenta queixas para todas as lesões.
Ressalto que a vitamina D e
a luz solar são duas polêmicas: certamente elas têm um papel na fisiopatologia,
mas este não está bem esclarecido ainda. Por isso, a reposição de vitamina D NUNCA
deve ser usada como tratamento isolado da EM.
Tratamentos disponíveis
O
tratamento farmacológico é baseado em drogas modificadoras da doença (DMD), que
são imunomoduladores, atuando no curso natural da doença, a fim de frear a progressão da inflamação, livrar o pacientes de surtos e
diminuir o número de lesões na RM. Os medicamentos mais recentes têm
conseguido diminuir as seqüelas, mas a EM, infelizmente, não tem cura. As
principais medicações para a forma EMRR são: acetato de glatirâmer,
interferons, natalizumabe, fingolimode, alemtuzumabe, teriflunomida e fumarato
de dimetila.
Estes
medicamentos variam em relação a eficácia, segurança, posologia e efeitos
colaterais; por isso, a eleição de qual DMD será adotada em cada paciente
depende de diversas variáveis clínicas. No entanto, para a forma primariamente
progressiva, de pior prognóstico, só recentemente surgiram medicações
candidatas a DMD.
No SUS, essas
medicações são fornecidas gratuitamente de acordo com o Protocolo Clínico e
Diretrizes Terapêuticas da Esclerose Múltipla (PCDT-EM), de
2015. Este documento é criticado por alguns especialistas porque, de algum
modo, engessa a escolha dos DMD, não permitindo a flexibilidade adequada para
cada perfil de paciente.
Há também apoio em algumas formas de terapia não medicamentosa. Os pacientes
costumam beneficiar-se de técnicas de reabilitação, sendo a mais difundida o
Pilates.
Algumas considerações finais
Infelizmente,
a despeito de já existirem mais de 10 medicamentos para tratamento de EM , e de
muitos pacientes apresentarem melhora da qualidade de vida com o uso dos
tratamentos atualmente disponíveis, uma proporção considerável não responde,
progredindo para estágios mais avançados da doença ou descontinuando o
tratamento.
Como
dito, muito se estuda a respeito de EM no mundo e um consenso mundial recente
amplia a valorização de alguns achados, facilitando a indicação de início de
tratamento.
Embora a
doença seja incapacitante muitas vezes, justamente na fase mais jovem e
produtiva da vida, o indivíduo com EM deve entender que fugir da situação não
irá melhorar a doença e quanto mais cedo iniciar tratamento específico melhor
condições de vida poderá ter com o passar dos anos.
Um médico
neurologista consegue diagnosticar a Esclerose Múltipla e iniciar o tratamento
e, casos refratários ou mais complicados são remetidos a subespecialistas em
grandes centros de pesquisa e tratamento.
Dr Washington Pereta Tavares
Neurologista - CRM SP 134323
@dr.washington.tavares.neuro
Fontes de domínio público consultadas: PubMed e ABEM